25 de outubro de 2010

In Cacto


Não deveria haver impacto diante do óbvio,
mas sempre há:
o óbvio aceito é o cacto no dedo
Intacta certeza
Causando beleza
na dor
É bela a dor que provoca mudança de hábitos insanos
E o dedo ferido
aponta a direção de um novo horizonte...
O impacto
pode ser
flor no cacto...
O sangue no dedo,
rochedo,
por trás do qual o sol há de ser visto mais cedo...

24 de outubro de 2010

Todo inteiro


E quando caiu em si
deixou de ser só
Só em si
viu-se...
O todo não está na metade
É tudo
amar-se
Por si
Catarse...
Apanhar-se
E ter-se
pleno
parte a parte...

22 de outubro de 2010

Girando, girando...


E na ciranda eu rodava
Em cada giro um novo ser...
Ciranda do amanhecer...
E na ciranda eu gostava
De ir bem forte, avante, além...
A ciranda do querer bem...
Tonteando a inocência
Cirandeando a vivência
Tem cheiro de liberdade
Na ciranda perde-se a idade...
Ciranda da leveza
Roda gigante e certeza...
Algodão doce também...
Cirandeando, meu bem
E quando o mundo girava
Trocava-se a direção
Noutro sentido da roda
Mas com a mesma emoção...
E a vida ia passando
Numa corrente de riso
Rodando em volta do guizo
Viver era preciso!
O infinito era o piso
Os pés, imensidão...
Podia-se tudo, então...
No parque da imaginação...

21 de outubro de 2010

Castelo de...



Cansada do nada
da estrada calada
indicada por ti:
Espera...
Só ouço a palavra
E sigo encantada
Com o nada, com o nada
Cansada
Paisagem vazia
Lagoa sem água
Piscina sem fundo
Mar sem mundo
Profundo
No fundo de mim...
e ouço: espera!
Sentada na guia
na beira do porto
morro,
morto...
Se fico, se vou
Se busco, se entrego
nada prego
Parede sem quadro
Moldura sem tela
Sou aquela
que nunca pensei
E dessa que sou
Desconheço a lei...
No reino da sombra
que assim me tornei
não há rei
não errei
Esperei...
Esperei...
Repetes: espera!
Paciência!
Reza!
Implorei, rezei, esperei...
Em águas revoltas
mergulho no intenso...
Nadei, nadei...
Esperei...
Nadei...
Não há praia no mar da espera:
nunca chegarei...

20 de outubro de 2010

Historinha...


E no dia em que meu sexo encontrou seu nexo,
eu quis ser pra sempre hermafrodita.
Na comunhão da minha lógica com a sua sina,
chacina...
É mais fácil levar todos os meus sonhos nas minhas costas.
Suas propostas
são opostas:
sem nexo,
sem sexo...
E não fomos felizes para sempre.
Fim!

Cabide...


Abriu o guarda-roupa na expectativa de encontrar um traje adequado.
Sentiu tecidos, modelos, texturas... Em cada peça uma lembrança, em cada lembrança uma história e em cada história um desfile de esperanças, festividades, planejamentos...
As roupas ,quietas, olhavam-na silenciosas e vazias. Moldavam-se de acordo com a ocasião ou com o coração de quem as elegia.
            Ela viajava no aroma que exalava da consciência dos tempos idos, ouvia risos, deliciava-se com os suspiros, embriagava-se com cada gole que vertia ao recordar...
Ela tecia, em meio aos panos, sua toda nula existência alinhavada...
            Pendurou-se por fim em um cabide que gritava solitário, parecia à espera... e fechou a porta do armário, silenciosa e vazia, esperando que, talvez, alguém escolhesse vestir-se nela...

Circo


Feito palhaço
de público inerte
eu faço graça
na praça
diante de um monte de traças
que corroem o riso fraco...
Tento chamar a atenção
na contramão,
com girassóis
cheios de anzóis
a destruir a ilusão...
Fisgadas duras,
alfinetes prendendo flores murchas
na minha lapela desgastada....
Feito um bobo da corte
corto a estratégia em pedaços,
jogo laços,
espalho meus braços
pesados
sobre o tapete vermelho
que jogo
pra dar glamour ao triste espetáculo
de malabarismos loucos,
jogando a vida entre o ar
e o espaço das mãos sedentas...
Figura triste
entre o ridículo e o desespero,
trocando sonhos por pesadelos,
acreditando
no aplauso que não triunfará...
No picadeiro
reino sozinha
numa comédia
de trágicos costumes...

19 de outubro de 2010

Parto


E quando o silêncio me feriu os ouvidos,
escolhi ensurdecer
E quando as atitudes me doeram  os olhos
deixei de ver
E quando a desatenção me atordoou a mente
insanamente
deixei de ser...
E quando minha outra mão
se estendeu ao pé do poço
calabouço
em meu resgate
eu pude, enfim,
ressuscitar
do pó da dor
Dei-me a mão a mim
E saí do fim...
Eu me pari
pra não me perder...

18 de outubro de 2010

Faxina


Selecione todos os erros
e descasos:
aperte a tecla Del
Bom seria haver teclados
na memória
real
de cada um...

Vácuo...


No fim
nada há,
sobras...
Desfecho ruim
não abre,
enfim,
portas...
Gire a maçaneta
e volta
para o lugar
de onde nunca
deverias ter ousado
partir...
Afinal...
não precisava ter ido tão longe,
para voltar pra tão dentro...

Oferenda...

Embrulha-se um coração,
põe-no um laço feito de vida,
entrega-o de presente
a um passante descuidado:
somente pelo coração dado observado...
Presente que não se abre
nem se percebe
talvez nem se recebe...
O laço feito de vida
na fita do tempo
desfaz-se lento...
Mofa-se o acalanto num canto...
Evita-se olhar
para não sofrer pelo desencanto...
Desencoraja-se de dele se desfazer
Acostuma-se, na verdade, a sofrer
Se se tira dali a dor,
Onde se põe, enfim, o amor?
Embrulha-se um coração
que morreu em vida...
Aceita-se, hoje,
que um sapo venha beijá-lo...

13 de outubro de 2010

Metáfora...


Pegue-se nas mãos
uma laranja, com vontade!
Feito a própria vida,
como se lha coubesse
nas mãos...
Ter a vida em suas mãos...
Como se faz com o fruto:
Escolhe-o belo,
pego por desejo, por desejo de sorvê-lo
Doce saciar um apelo...
Descascar com habilidade
no afã de não lhe ferir a casca
Tirá-la inteira!
Quebrar seria quebrar a vida,
quebrar um ciclo,
não ser capaz...
Pegue-se nas mãos uma laranja...
A vida cabe no espaço de ser hábil ao devorá-la...
Não partir a casca...
Caso parta,
a laranja não seria chupada como se pensara...
Feito a vida,
quando se tem de mudar o rumo...
Partida a casca,
corta-se em gomos...
Mas não era o plano original...
Frustram-se os enlevos,
mas segue-se o caminho
Já não mais com o mesmo sabor...
Devia ser tirada a casca sem partir...
Engole-se assim mesmo
Ainda é boa
Sempre é...
Mas não era pra ser assim...
E pensa-se já
Em outra tirar da fruteira,
da geladeira,
pra tentar outra vez
descascar sem partir...
Como se se pudesse fazer o mesmo com a vida...

12 de outubro de 2010

Criança


Quero reencontrar hoje
a criança que existe em mim
Aquela que me acompanhou nos melhores dias de minha vida:
Sonhante
Brilhante
Cativante
Brincante...
Ela saltitou tanto,
projetou tanto
E fui deixando-a seguir...
Sua alegria inata
percorria todos os meus instantes
desenhando em mim risos,
nuvens,
forças inovadoras,
motrizes,
matizes...
Vem, criança!
Mostra como é mesmo abraçar o mundo!
Perpetuar segundos,
pintar caminhos com pés descalços
pra pisar a relva do futuro todo azul...
Pra buscar tijolos de chocolate,
erguer castelos,
ganhar da bruxa malvada,
ser fada!
Quero encontrar você de novo, criança minha
e me reformar todinha,
fazer morada nova dentro de mim,
voltar a ter fé,
rezar pra Nossa Senhora Aparecida
de mãos unidas,
confiante em que o pedido chega ao Papai do Céu
“Pai do Céu, de Amor, me proteja
e derrama bênçãos sobre todos os meus”
Criança minha,
faz do meu olhar estrela guia,
outra vez!
Feito missa de domingo,
Me põe de novo bela, inocente
Põe sabor de bala em minha boca
Põe sabor de surpresa no guaraná gelado
Põe no pique esconde minhas desilusões:
“Desilusão, moça? Que isso?”
Pergunta mil perguntas
Incita-me a escrafunchar o mundo, descobri-lo todo de novo!
Quero encontrar essa criança arteira
que se escondeu de mim
pra dizer pra ela
o quanto eu aprendi
enquanto ela esteve aqui,
junto com Nossa Senhora
me fazendo passear nas esperanças
comendo algodão doce
sem medo de ser feliz!

11 de outubro de 2010

Voyeur


Nunca fui admiradora dos insetos. Afora joaninhas, que me comovem, sempre os achei asquerosos primatas. Mas ontem, o inusitado me fez refletir. Eu tomava sol, junto à piscina, quando aquele casal de besouros pousou ao meu lado: faziam amor... Minha solidão ao sol espantou-se. Besouros fazem amor. Unidos, silenciosos.
            Senti-me invadindo aquele momento tão deles. Mas não tirei os olhos daquela cena. Besouros asquerosos têm par. Besouros amam. Besouros não estão sós. Eu estou.
Eu era naquele instante menor que besouros asquerosos. Olhava pra eles com inveja: eu cobicei ser amada, no silêncio, na liberdade, na cumplicidade.
            Não sei quanto tempo durou meu voyerismo. Insetos têm par. Depois dos besouros, vi outros casais, ali, emaranhados na grama, um sobre o outro, unos...
Insetos têm par... eu me repetia isso! Eu queria ser um inseto asqueroso, mas amado...
Delicadeza do momento, doçura e tristeza. Insetos amam...
            Se eu fosse um inseto, não queria ser barata. E se me dessem uma chinelada enquanto eu fizesse amor, no barato???
            Queria ser uma joaninha, fazendo amor no gramado. E que tivesse um arco-íris no meu céu nesse instante.

Malmequer


Então ela chegou de chofre
Aniquilou as crenças
Desativou esperanças
Desnudou-se despudoradamente...
Ela mostrou-se fria
Indiferente às dores
Reticente às questões todas...
Ela instalou-se feito um ser atônito
Incômodo
Insultuoso...
Ela veio e revelou-se forte
Invencível
Quisera fosse incrível...
Era apenas feia
Monstro...
Nem era inerte
Movia-se feito uma medusa...
Possuía tentáculos esmagadores
Possuía-me
Sufocava-me sem piedade...
Penetrou minhas desconfianças,
Bailando como um demônio esperado
Temido,
desesperadamente esperado...
E aturdiu-me...
Ela abriu-se flor sem cheiro
Sem cor
Sem pétalas...
Malmequer
Malmequer...
Vulcão erupto
Expelindo lavas
E larvas tomaram-me intensamente
Deslizando em meus seios arfantes
Desacreditados crentes...
Causou-me chagas quentes
era questão de tempo...
Confronto tolo
Torto
Batalha perdida, desafio suicida...
Ela revelou-se enfim, ai de mim:
Mentira!
Tudo foi mentira
Arma que atira:
Mentira!
Tiro que não mata o amor
Faca que não ceifa a dor:
Mentira!

Maquiagem


Disfarces ínfimos:
esconder o mal que há
Pintam-se de rosa as tristezas,
as dores de azul,
os descasos de verde...
Trocam-se as máscaras,
mas nada que ponteie a alma,
pois suas verdades são indisfarçáveis...
Prendem-se cabelos
Mudam-se as fivelas
Novas cores,
novo corte...
Gastam-se fortunas com roupas,
e não se consegue bolsa que guarde pra sempre
as feridas não cicatrizadas...
Passos ermos
em shoppings cheios...
Ofertas de alegrias fáceis
em todas as vitrines...
Meu cartão de crédito já foi todo gasto
em meu sofrimento não exposto...

8 de outubro de 2010

Ameaça

Ai que vontade me dá
de pendurar meu coração no varal
Deixá-lo secar inteiro
dessa umidade chorosa!
Coração chorão,
nem se permite aquecer,
aposta sempre na mesma jogada
Joga pra perder...
Vou pendurá-lo no varal,
esticadinho,  
preso por prendedores firmes
pra ver se desamassa,
desentope as veias emburrecidas pela alma sonhadora...
Ai, esse bater descompassado
esse iluminar-se de entorpecido pela presença do ser amado!
Isso me exaure!
Falo com ele, surdo: corações não têm ouvidos...
Dou sinais do meu desgaste,
ele, pulsante frenético, nem vê: corações não enxergam o concreto...
E me leva pelas mãos emotivas
sedentas
Corações têm mil mãos,
que nos agarram pelo pescoço quando tentamos dar as costas
aos nossos bobos enlevos...
Corações têm bocas, lobo mau que grita:
- Não desistas!!!!! Espera!!!!! Pode ser agora,
não vês?????
E eu, ah... eu sou inteira ouvidos
ouvindo a voz das sensações...
Coração não é cérebro,
nele não há razão,
sua beleza seduz,
pois traduz a emoção...
Ele não é um amontoado de miolos,
e me convence por sua aparência
por sua essência,
por sua definição não cinzenta
dessa minha existência...
Ele não é verde
mas ao menor sinal
me faz crer
e ver
e ver
pra crer...
Vou te pendurar no varal,
Ver se o sol te salga,
Coração!

A lida...

Drummond não me disse todos os sentimentos do mundo,
mas os tinha
como eu os tenho...
Machado tampouco analisou meus olhos de cigana oblíqua e dissimulada,
mas deixou-me esse legado...
Vinícius falou do amor que eu queria: regado à fidelidade...
Clarice ensinou-me que nem sempre é a hora da estrela...
Cecília Meireles deu-me motivos, porque o instante está aí...
As palavras bailam,
os poetas dançam
Mario sabe que o verdadeiro amar é transitivo...
Buscam-se complementos... pares, ímpares, únicos...
Arquitetam-se formas de manipular os sonhos,
feitos severinos na vida construída por João Cabral...
Fugimos todos
O horizonte é mais...
Naus anunciam que há mares nunca navegados...
Leva-me por suas letras, Camões!
Esqueça-me n’alguma ilha...
Quem sabe Alencar me acerte a flecha ao peito?
E eu acorde do delírio
de desejar que a pena não pare
de deslizar pela minha alma,
retratando mundos de Pessoa,
múltiplos em mim...
Os poetas sabem do que digo...
Delicioso banquete nos servimos
ao sorvermo-nos das inspirações que vêm de lá....
De lá do sopro do mundo...
E do verso fez-se tudo...
Ah...esse mundo é mesmo vasto!!!!!

7 de outubro de 2010

Abismo...

Estou tão à margem de mim
que tenho a tentação de jogar-me...
Lançar-me ao precipício das minhas fugas
e aliviar-me as dores...
Pular rumo ao resgate da minha essência
que de tão etérea
diluiu-se em sonhos inconcretos...
Vejo-me indo, indo
sem sequer estender os braços
sem sequer clamar ajuda...
Deixei-me estar assim,
longe de mim,
indiferente...
Porque já não cabem mais marcas de desencantos...
Saltar seria renascer
e refazer-me outra,
mas seria a mesma,
pois sinto imensa saudade de mim...
Renitente nos meus desenganos,
apegada à vã esperança,
não aprendi com os tropeços...
Alma pueril essa minha...
Esvaziou-se o inexistente castelo,
envelheceu a princesa encantada...
O sorriso é de amargura,
não há majestade na desilusão...
Quantas vezes se cai do alto da mesma torre?

6 de outubro de 2010

Último ato

A gente sabe que há algo errado
quando nada mais diz qualquer coisa...
quando o silêncio é muito alto
ferindo ouvidos,
dilacerando sonhos,
espalhando angústias pelo chão do peito chagado...
A gente sabe
mas não quer ver
porque os olhos também estão cansados de buscar cumplicidade
Os ventos intensos na alma avisam: - Saudade! Saudade!
E a maior ausência é a da gente em nós...
Fazer de conta que tudo vai bem
dói além
É mais um ato na cena
que acaba
que acaba
que acaba...
Não mais aplaudimos,
não tem graça
reprise de tudo cujo final
é desalento...
A gente sabe que há algo errado
quando tanto faz...
Indiferença atroz
Ave sem asas em gaiola
Ave com asas sem destino...

5 de outubro de 2010

Encontros que...

Afetos
Afagos
Carinhos na alma
Sorrisos por dentro
Brotam lentos...
Há desejos de eternizar
Ternuras calmas...
Falamos de flores
Falamos de amores
Pintamos as cores
Sabores
Irmanados, intensos
Crianças soltas no vento...
Só há o momento...
Identidades do olhar
No modo de ver,
Fluir das emoções
Descortinar de um mundo louco
Leve
Nosso....
Criações particulares
Seculares
Espetaculares...
Visões tantas, risos fáceis,
Filosofias voláteis...
Esses encontros tem dons,
Tem sons
Tem tons...
Há dois corações
Em um...
Tum Tum
Tum Tum

4 de outubro de 2010

Camaleoa - uma tentativa pra não mais perder-se...



Hoje não cobro nada mais...
Só tenho ex-quesitos,
Não precisa mais ser sonhador
Nem ser bonito
Só tenho ex-quesitos...
Não é preciso me entender
Tampouco ser como sou
Não é necessário ir além
Muito menos de mim ser refém
Só restam ex-quesitos:
aqueles que nunca usei
aqueles me fizeram cega
aqueles que pré-julguei
dificultando a entrega...
só tenho ex-quesitos...
portanto, claro deixar
só é mister amar
sem quesitos
esquisitos...

?

Quando guardei a paixão no fundo da gaveta,
voltei-me, crendo sentir alívio: susto!
Ao abrir meus olhos,
o mundo havia ficado preto e branco...

Renovar

Hora, tempo
Ora a tempo
Olha a história
Sua glória
Igual?
Inglória sua
Sua a tempo
No suor
Se faz
novo final....

Brinde...


Perdi a paz que vinha do caos de tê-lo
Sorvi do cálice a fatal última gota...
Taça vazia,
traças corroem esse silêncio,
que grita cada vez mais alto:
- Vazio! Vazio!
Bebo essa dor cruel pelo gargalo,
pra molhar pelos desenganos
Essa ausência que transborda...

3 de outubro de 2010

Presos...

Somos nós
atados
embaraçamo-nos
Não há fio da meada...
novelo
novela
não vê-lo...
Nós...
Entrelaçamo-nos
unos
entes
diferentes...
Nós...
Encaixamo-nos
horizontalmente
Vertigens
Viagens
Estrelas cadentes...
Dementes que nós somos...

Olhos



Olham,
Procuram,
Escutam...
Lêem
Dormem
Falam...
Agem indiferentes
Persistentes
Loucamente...
Olhos choram
Calam
Censuram
Mensuram...
Olhos são ternos
Eternos
Atentos...
Doces
Amargos
Tentam...
Olhos lembram
Lágrimas
Risos
Súplicas
Silêncios...

Pespontos


Linha na agulha
vou
na sutura dos rasgos, fagulhas
que eu mesma me dou...
Percorrendo meus tecidos
Alinhavo desagravos
Cravo-a lentamente
Passo o fio de mim mesma em meus nós
Apertando os pontos
Fechando as dores
Deixando tudo lá dentro
do meu baú de costuras...


Verde-amarelo


No meio do caminho tinha uma ilha
Tinha uma ilha no meio do caminho...
Tal como Gênesis, assim foi o começo de tudo...
Sem haver descanso no sétimo dia
Não é preciso descanso quando a raça é forte, quando a batalha é árdua
Numa luta que já dura 500 anos...
Uma nação viaja e se constrói ao sabor do cotidiano
Numa mescla de cores, sabores, povos, origens, humores
Sempre rumores de progresso na ordem do dia!
A história da conquista, o vislumbre das caravelas,
Verdadeira pintura nos mares de amores e temores...
Ah! Quanta história pra contar, quanta história por fazer, quanta história pra deixar...
Através de cronistas, relatos de não mero descobrimento
Retratos de sentimentos,
Deslumbramento!
Os habitantes de Vera Cruz passaram a não ser só índios na Terra de Santa Cruz
Mas tantos legados indígenas fizeram da terra do pau-brasil
A nossa terra, Brasil...
Miscigenação total, numa junção federal
E nessa mistura de povos, culturas e tradições
As raízes já estavam firmadas no solo dessa terra abençoada
Ah! Brasil...
Quem te conhece não esquece jamais
A pátria bate feito um coração alucinado
No peito de um povo sofrido, marcado...
E assim, brava gente, modelamos este espaço
Cheio na “nações-nalismos”
De um jeito tão brasileiro!
A construção dessa pátria faz-se no suor da esperança
Que rega sonhos e move mundos...
Mundo, vasto mundo,
Graças aos Josés, Marias, Raimundos,
Estabelecem-se as regras desse jogo da vida
Grandes histórias contadas por grandes homens
Tantos risos, tantas lágrimas, tanto sofrimento...
E, dos ecos desses lamentos, faz-se o cimento que une, dia após dia
Os tijolos do nosso passado, presente e futuro
Não importa qual seja a porta
Se de cortiços ou de mansões
Uma porta é sempre uma porta
Com função às vezes torta
De nos abrir uma brecha, uma réstia de esperança
Verde, azul, amarela ou branca
Feito brasa, chama acesa no céu forte, varonil
Arde, Brasil!
Os pés que pisam teu solo muitas vezes pedem colo
Tanta lida, ilusões vãs
Sonhos vivos sempre brotam, germinando em tantos poros
E o fruto torna-se utópico em realidades tão distintas...
Uma ao norte, outra ao sul...
Não há verdade que cresça e cada vez mais se fortaleça
Se não houver ousadia para enfrentar desafios
A ousadia do amor de corações de homens apaixonados
Empenhados em retratar tantos perfis
É a história pela história
Ainda tanto por vir...
Só podia ser assim
Não é fácil o berço esplêndido
Impossível deitar eternamente
Eterna é a vibração, pulsar infinito, ar dos pulmões
Nas entranhas desse povo que é sempre novo
Nas páginas redigidas cotidianamente
Nessa história de bravura ainda em construção
Os protagonistas anônimos atropelam-se por ruas, calçadas, praças, becos...
E se és mãe gentil dos filhos desse solo
Filhos de tantas vocações,
Artistas de tantos engenhos
É só a ti, mãe gentil, que nos resta enfim dizer
Obrigada, Brasil!

Acalento de almas cansadas...


Eu queria um dia, um dia
essa correspondência de afeto
que coleciono em meus íntimos silêncios...
queria a singularidade parceira de ilusões pueris
que acalentam a alma cansada da espera...
Queria experimentar o vislumbre de uma chegada sonhada
trazendo olhos atentos ao que está por dentro...
Queria um coração que transbordasse feito o meu naufraga...
Que não fosse necessária bagagem para construção de estrada
que levasse apenas a lugar algum...
Um dia eu queria...
Há um choque lento que o peito leva
quando se dá conta da imensissolitude...
que grita,
que berra
que o tempo algoz
diminui o prazo do encontro...
Queria sossegar da busca insana
pelo par, pelo ímpar, pelo meu no outro...
Um dia
de fato
queria
um toque de necessidades iguais,
num encontro, quase um esbarrão
e o perceber da presença tão aguardada,
Invadindo tudo e nada mais...


Avesso?

E um dia, ao fim do cansaço dos dias, ela foi tirar a roupa para dar-se um banho, e no descuido de si mesma, saiu-se do avesso junto com a blusa... e olhou-se pela primeira vez, vendo-se como era: ela era o contrário do que despia, admirou-se nua e feliz, feliz como há muito não sentia... então, ela existia...ah! ela existia...