E foi subindo a rua, subindo, tentando nem olhar para trás,
medo de voltar ao ponto de partida... subia incessante, quase incansável, mas
dentro algo não subia com ela... a cada passo, ia e algo ficava... e misturava
bagagens, levezas e pesos... à medida que avançava, a cabeça pesava de memórias
inteiras, latentes, dormentes...
Subia determinada, subia para vencer-se a si, ia, ia... se
doía, dava logo um jeito de deixar pelo caminho o que mais lhe pesava...
largava mais um obstáculo no avanço que mirava... um erro aqui, uma má escolha
ali, uma dor acolá... fora, fora, fora... que ficassem fora das memórias que
elegia carregar agora...
Subia intensa, buscando olhar além, porém... sabia que o que
a empurrava rua acima era a mesma força que a sacudia a olhar para baixo e
voltar... a rua longa, tinha exata metragem do tempo de vida que ela tinha...
subia, ia... sabia... avante, adiante... soltando pedaços inertes de lembranças
débeis atrás de si, agarrando-se intensa às lembranças boas que sustentavam
seus passos... firmes e lentos, fortes e fracos, novos e gastos, novos e tão
velhos e novos e velhos...
Quando chegou ao destino mirado, percebeu que havia mais...
o fim era só o começo... era preciso continuar... a subida não mais era tão
íngreme, mas era íngreme o suficiente para não ser mais como era a outra que
subira até aquele instante... e.... antes de avançar incessante, incansável...
o inevitável: virou-se para o que deixara para trás... jogara fora enquanto
subia, o que enfim fizera ou restara, restaria? Virou-se lenta, lenta, isenta,
isenta, lenta... e vislumbrou-se! A perder de vista, a rua pela qual viera,
escura pelas lembranças e feridas, colorida estava, florida era, ela plantara
cores nas dores dos amores perdidos e nas tentativas vãs, nos afãs dos amanhãs
que não vieram como eram... se aquilo fosse sonho, já valera...
Retomou sua subida... refeita, quase embebida em si...
surpresa sem ferida... plantara flores e plantaria vida em sua vida a cada novo
passo da subida erguida... agora entendia, o que ficava e o que viria, o que
deixava, sangrava e floria...